23/08/09

De tanto falar, de tanto escrever, tornou-se prolixo. Deixaram de o ouvir, deixaram de o ler. De tanto falar passou a conhecer a solidão. E a solidão tomou conta dele, como o calor do estio. E secou-lhe a alma, como seca o sol os campos. Encostou-se à parede branca e deixou-se consumir pelo silêncio, pela indiferença de quem perdeu a paciência para tanta palavra, com e sem sentido. De tanto falar sentiu a dormência dos membros, dos lábios e a sua voz passou a ser-lhe estranha. E a solidão tomou conta de tudo, dele também, como o sol que os campos secou, sem remorso algum. E dias virão em que se lembrarão dele, em que pedirão que fale, em que as suas palavras poderão fazer sentido e não ficarão já acumuladas, num monte de restos de mobílias e paredes de casa velhos à espera de remoção.
De tanto falar e escrever, as palavras cansaram-no e ele abandonou-as, perdeu a esperança nelas e tornou-se eremita dos significados, surdo e cego aos significantes. Secou nele as palavras e transformou-as em pedra, aprisionadas na sua existência, despidas de justificação.
E assim vive hoje, só, sem mãos que escrevam, sem voz ou lábios que falem, num voluntário estado de coma verbal. Requiem precoce, vida em suspenso.

1 comentário:

x disse...

tão profundo e bonito. às vezes dá-me vontade de imprimir os textos todos e ir ler para um jardim delicioso que há em genebra. *