Disseste que te ias embora, que te despedias porque hoje era hoje o amanhã poderia nada ser. Disseste que alguém esperava por ti, que fazias falta e que as lágrimas de hoje ali seriam menos do que as que se chorariam se não partisses. Tudo vago, tudo sem que os olhos se cruzassem. Disseste que, quando voltasses dirias algo, que me avisarias do regresso. Disseste outras coisas das quais já não me lembro porque preferi gravá-las no esquecimento. E aí esperei por ti, pelo aviso do teu regresso. E dei-te a mão como da primeira vez. Descemos pelo caminho de terra, cheirámos a erva seca. Tudo isto vezes sem conta, umas vezes trazias sobre a pele o teu vestido com flores bordadas pela tua avó, outras a saia que trouxeste das férias com os teus tios, sempre com os ombros descobertos a fazer-me sonhar. E esqueci-te todos os dias. Continuo a esquecer-te e à espera do teu aviso. Sei que me matarás a sede um dia, quando eu menos esperar, quando tiver os lábios secos à espera do fim. E, sempre que te esqueço, conto os minutos no tempo parado, nos teus ombros. Talvez saibas que troquei o tal amanhã por isto.
Sente-se ao longe o aroma das flores do teu vestido.
Talvez voltes hoje, antes de te esquecer de novo.
3 comentários:
(...)"Sente-se ao longe o aroma das flores do teu vestido.
Talvez voltes hoje, antes de te esquecer de novo."
perfeito, absolutamente sublime. *
uau...
:)
Faz já muito tempo (anos, talvez) que sigo estas páginas freneticamente. E também faz muito tempo que me sinto tentada a dar os meus parabéns perante tal obra, peça de teatro tão bem escrita que permite a involuntária encenação perfeita no imaginário daqueles que a ela assistem, ainda que por detrás da máscara, mas não me senti digna de pisar o mesmo palco.
Sabe bem ler cada palavra e desculpe se alguma já foi alvo de "lema de vida".
Vou continuar espectadora deste espectáculo tão sublime.
(loira)
P.S. Esses caminhos, essas roupas, esses cheiros são tão passíveis de reprodução, que me levam para longe com um doce sabor a paixão.
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