31/12/23

#1

Começou a correr, experimentando novas técnicas, só com as pontas dos pés primeiro, depois sentindo todo o pé em contacto progressivo com o chão. Nada de novo. Começara a experimentar o corpo há meses, a sentir-lhe os limites, o cansaço, a vê-lo todo sem os olhos abertos.  Falou-lhe disto e ela riu-se, dizendo-lhe ao ouvido que era tonto, que seria sempre uma criança grande. Ali ficaram a pensar se alguma vez veriam os filhos dos filhos, ou se resistiriam a cruzar um oceano ou se gostariam sempre de se ver todas as manhãs. Não terão ambos pensado em tudo isto ao mesmo tempo. Ele terá pensado em como teria de encontrar uma boia capaz de os salvar a ambos em caso de naufrágio da jangada. Seria uma jangada então. Mais pessimista, pensaria em testar a boia com lágrimas, em como encontraria lágrimas suficientes para testar a boia. Mais otimista, consideraria levar na jangada canteiros com plantas já crescidas capazes de sobreviver a regas de água salgada ou de lágrimas. Ela pensaria em como continuariam a cruzar-se no barco, em pleno oceano, caso se zangassem, na véspera, por causa da incúria dele em não ter previsto água doce suficiente até à próxima escala, por estar demasiado focado em água com sal. E choveria tanto, que esqueceriam em que água navegava o barco e iria este navegando pela chuva.

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