27/04/07

Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem,
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.
2ª estrofe de "Ode à Noite", Álvaro de Campos, 1914.

Receio, tantas vezes, que as distâncias impossíveis de percorrer se revelem, enquanto tal, subitamente.
Receio, cada vez mais, que a vida possa converter-se em distância impossível de percorrer, subitamente, como numa revelação.

4 comentários:

Villa disse...

árvores há.

maioria conformada, a árvore

vive porque há chuva
plantada na calçada, calma,
cega, sem dar um passo.
do vento não vai contra, enverga
ao verão se enche de folhas,
no inverno soltas.

por que não se revolta?

ainda exibe nas pontas, graça, flores.
deixa bicarem pássaros
e o grosso tronco é fraco a larvas
e cupins.

não é ser, é santa.

espera por cima raios
e machado por baixo.
gente sobe nela, poda
e apesar de tudo continua a dar sementes.

não vejo nada mais calmo.

algumas tem meu espírito, cansam.
aproveitam a tempestade
aos gritos se vingam nos carros
e tombam sobre os transeuntes.

Lana disse...

Baudolino
como eu gosto de vir aqui.
tem uma surpresa no meu blog ... num post antes do ultimo. proponho que lá vá até orque já tenho saudades dos seus comentários e visitas.
quanto a este post ... nada é impossivel e as distancias podem-se tornar no aqui e agora ... assim queiramos nós ...
1 sorriso mto luminoso e até breve
Lana

rtp disse...

Olá, Baudolino!
Belas palavras, as da citação e as da sua reflexão! Quantas distâncias não são criadas por nós. Quantas não se apresentam impossíveis de ultrapassar porque não nos dispomos a vencê-las, não nos pomos a caminho!
(Não o sabia sportinguista. Óptimo gosto clubístico! Pena o resultado do derby. Apesar de tudo bem disputado!)

jguerra disse...

Deslumbrado estou. Eu gosto muito de
Alvaro de Campos. Deixam-me louco e rodopio nos seus versos, nas suas estrofes. Faz-me também lembrar bons tempos de universidade e uma das odes preparada com um grande amigo de quem perdi o rasto.
Um abraço forte.