És o que és. Se tens rótulos, se, desde cedo, te colocaram uma lista de etiquetas em cima, bandeiras a lembrar-te quem és, a quem pertences, quais são as fronteiras da tua existência, se te disseram aquilo que devias ser, tudo isso é algo a que não consegues fugir, sempre pensaste.
E foste construindo o teu edifício sobre esses pilares. E, no fundo, ainda que nunca saibas bem o que isto do fundo quer dizer, não te desagrada porque és isso também, esse catálogo de vícios e virtudes, mas és mais. És pensamento divergente, és capaz de surpresa. Não és quem eras, mostras-te diferente e isso estranha-se. E tu estranhas-te, como se a tua pele não fosse tua. E não é, a que vês ao espelho, aquela que sentes cobrir o teu corpo, milímetro a milímetro.
Sabes que os heróis se forjam na memória das crianças. Sabes que é aí que tudo começa e tudo vai acabar, um dia, quando a memória te tornar em algo que não sabes bem como se chama. Não serás um herói, nesse dia. Serás uma pálida imagem do catálogo de vícios e virtudes. E partirás tranquilo quando souberes que foste forjado nas memórias de todos, até na tua e que, como os heróis, não foste filho da coerência. Esses, nascidos do eterno equilíbrio sem mácula, são os hipócritas, os zelotas, os que, de face erguida apontam dedos e entregam deuses com júbilo. Serás incoerente, até na morte, como os deuses.
3 comentários:
Não serás um herói. Serás inteiro.
"(...)não foste filho da coerência. Esses, nascidos do eterno equilíbrio sem mácula, são os hipócritas, os zelotas, os que, de face erguida apontam dedos e entregam deuses com júbilo. Serás incoerente, até na morte, como os deuses.".
perfeito. a busca pela coerência há muito me abandonou, no melhor dos sentidos,espero.
Inteiros e incoerentes, perfeitamente imperfeitos. vivos.
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