Vinha da sombra. Caminhou durante horas daquele lado da colina, por sobre as pedras. A vegetação não era mais do que uma rala palha amarela agarrada à encosta íngreme. Mais uns metros e voltaria ao sol, onde tudo começara, febre, ideia difusa de que tinha de palmilhar o mundo para o poder aprisionar dentro de si. Talvez um dia o corpo o aprisionasse a ele e, então, poderia fechar os olhos, viajar. Do outro lado, o sol anunciava-lhe que chegaria ao final da tarde, castigado pelo peso da sua mochila e pelo calor, com a roupa colada ao corpo e com o sabor do pó do caminho na boca. Sentar-se-ia, prepararia a tenda para a noite, ficaria ali. Talvez fosse aquele o dia no qual o rio que ali correra em tempos, regressaria à vida e invadiria tudo, devorando tudo no seu desejo de possuir a montanha. Talvez até o fizesse pela calada da noite.
E, pela calada da noite, enquanto o mundo rodava, tudo se recompunha e reparava. Era a hora propícia ao labor dos gnomos que trabalham de noite, em contos como os de fadas, para cumprir a tarefa impossível de campeões, príncipes e princesas. Esta não fora a noite do rio devastador, fora a noite de sonhar com a sua imagem, o contorno das suas costas visto a contra-luz, passo após passo, sem surpresas para além do estar vivo. Vencidos mais uns metros, chegaria ao sol. Encontraria um lugar para erguer a sua tenda no meio do vale ermo. Dormiria aí sem saber se viria a água do rio ou não.
Chegara o dia no qual vivia os sonhos e sonhava com a vida, coisas de ciclos que se cumprem, coisas de profecias em romances de cordel, coisas de rotação e translação da Terra e dos Homens que têm certezas como esta de caminhar pelos leitos secos dos rios.
4 comentários:
não sei se fujo à verdade, mas a narrativa tem um toque diferente... bastante interessante. parabéns. *
Espero que a viagem corresponda às expectativas! Talvez dê origem a mais uma bela prosa... :)
Abraço.
O seu texto está muito bem escrito
e é mais do que isso:
tem sumo!
Saudações poéticas
baudolino, então? já temos saudades dos teus textos! *
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