20/04/12

Burocrata aluado, aguardando instruções para homologação de edital


Quando o homem foi à lua pela primeira vez, eu estava no útero da minha mãe. Estava protegido de mentiras maiores do que aquelas que o corpo repete sobre o que se passa no exterior. E a lua faria todo o sentido para mim e eu estaria com uma bandeira na mão, com a gravidade a incomodar-me menos do que a gravidez à minha mãe. E faria trocadilhos com gravidez e gravidade, impunemente, como tudo o que fizesse, ainda que fosse o ir à lua e andar por lá com um aspirador a recolher poeira para fazer pacotes de estrelas instantâneas, bastando juntar água. Estrelas de pó lunar com líquido amniótico brilhariam o suficiente para que fossem verdade maior do que aquilo que se passa onde a sua luz não alcança. Por isso decidi estar no útero da minha mãe quando o homem foi à lua e disse, o homem, em voz de relatador de futebol, rádio em onda média, coisas replicáveis até à náusea sobre a humanidade,  passos e saltos de gigante. Ao meu lado, o meu irmão ainda brincava comigo, facto não desprezível. Não juntámos ambos o pó lunar com água, não fizemos juntos estrelas instantâneas. Isso ninguém o decidiu. Foi curto o tempo que foi nosso, no ano em que o homem  foi à lua. Decido agora que, por ambos, pelo tempo que passámos juntos, protegidos de ditaduras e de idas à lua em fatos brancos de americano no espaço, vou fazer do pó que dele guardo, uma estrela, verdade maior do que aquilo que os grandes passos da humanidade revelaram. Vai brilhar hoje, três minutos antes da meia noite, e vamos brindar efusivamente, sem gravidade.

2 comentários:

roni silva disse...

" Ao meu lado, o meu irmão ainda brincava comigo"
" Foi curto o tempo que foi nosso.." " Decido por ambos, pelo tempo que passámos juntos" . Vou fazer do pó que dele guardo uma estrela ".
Até às lágrimas " Baudo " . Cairam por força da gravidade.
Obrigado

P disse...

Roni, bem que gostaria de ser mais que indutor de lágrimas. Para mim, foi indutor de humanidade, ir do útero à lua, com todos os clichés associados, pouco me importa. Perante a ameaça vital de diálogos burocráticos e reclamações de alunos tudo vale e o Dr. Freud explica. É a vida.