16/08/12

[narratione/collectione/obliviu]





A rua era rua de cidade. Poderia ser algo como paredes de pedra escura, dia sem sol, luz relativamente intensa. A porta da casa era de ferro, trabalhada, sem demasiados detalhes, de um vermelho escuro oxidado. A parte superior deixava ver o interior, vidro grosso e antigo por detrás de barras lisas, o mesmo ferro da parte inferior e da moldura. Via-se o pátio de entrada, oito caixas de correio na parede do lado esquerdo, ao lado do quadro eléctrico e de todas as portas de compartimentos para instalações necessárias de cuja descrição nos dispensamos sem qualquer tipo de justificação. O chão era de pedra, um mármore polido pelo tempo, mais brilhante no percurso que levava aos degraus em frente, feitos de madeira de carvalho, a toda a largura do pátio de entrada. Muitas coisas não moravam ali já, muitos passos esbanjados, amor feito a caminho do elevador, no recanto junto à porta do rés-do-chão esquerdo, reclamação do vizinho muito possivelmente.Talvez estivesse isso tudo na porta de ferro, a da entrada, atraído pelo ferro, parte mesmo da ferrugem em camada fina, espalhado pelo mármore da passagem, incrustado nos veios do soalho.
A rua era larga, com uma porção de passeio entre as duas faixas, espécie de alameda envergonhada, plátanos pelo meio. Muito saberiam os plátanos sobre as entradas e saídas do número quarenta e oito, lugar comum de objectos e seres como depositários do concentrado do rasto de vida. Entre os plátanos, sentado no banco do condutor de um carro azul, alguém tomava notas num bloco de capa preta, olhar muito atento, por vezes alternando com um vaguear previsível. Pareceria um detective particular, ou um polícia de filme menor, tudo óbvio. Sabemos que ocupava o seu tempo e que apenas tomava notas pelo prazer de o fazer, notas sobre as pessoas que passavam, sobre as casas. Ocupava o tempo enquanto aguardava compromisso agendado, talvez consulta médica. Havia alguns consultórios particulares na zona. De costas para a porta do número quarenta e oito, podia ver-se uma placa de um cardiologista, professor universitáriosublinhado na parte inferior do rectângulo negro, douradas as letras. Mais ao fundo da rua, perto do cruzamento com a praça maior, havia um conjunto de placas que poderão anunciar mais médicos ou outros serviços. Aguardará algo do género então. A rua aparentava um razoável grau de limpeza, um ou outro papel e pontas de cigarro, umas pastilhas elásticas coladas no alcatrão, trazidas por pneus de carro talvez, pouco interessa. Nisto de detalhes, interessam umas coisas e outras não. Por vezes é mesmo uma questão do critério de quem vê, outras vezes, as coisas vão aparecendo e desaparecendo e fica o que fica, sem critério algum, variante de ócio aplicado ao registo de factos e à descrição de objectos em papel.
[um agradecimento à sónia silva pela disponibilização desta sua fotografia e pelo sempre estimulante diálogo entre imagens e palavras.]

1 comentário:

S disse...

obrigada eu porque me obrigas a puxar um bocadinho mais por mim nestas trocas!