04/10/12

Que farei com estes pés quando tiver de os arrastar por um pó qualquer? Um dia, posso acordar sem sapatos, sem qualquer possibilidade de me vestir, sem uma camisa branca de tecido fino para pôr sobre o corpo amedrontado. Terei de fazer uma mala. Terá dentro um relógio de corda, algo com prazo de validade. Passarei a viver a preto e branco. Serei um pouco mais tolerante para com os erros gráficos, para com peças fora de sítio numa sequência, tentarei olhar para o imprevisível como se contemplasse um amigo há muito ausente. Talvez não seja assim tão rápido, talvez haja tempo para sentir a camisa branca de tecido fino sobre a pele e ficar por ali, a experimentar esse prazer sem custo nem culpa. Se me deitar com a face virada para o vento que corre, o ar fresco vai passar pelos pés, por entre os dedos, mais fresco onde tiver menos pó da estrada acumulado. Um dia, as palavras poderão abandonar-me, cansar-se de mim, desistir de mim. Que farei com os meus dias quando as palavras me abandonarem e o único sentido de mim for o encontrar pó por onde possa arrastar os pés descalços?

2 comentários:

S disse...

Nem sabes a quantidade de vezes que passei os olhos por este texto. Só me resta dizer que me deu uma vontade enorme de o retratar...

P disse...

Se quiseres, será, como sempre, um diálogo que me honra.