05/02/13

automático sem filtro

Coisas sem ligação aparente podem concorrer para que penses em portas fechadas, corredores estreitos, pouca saída para o vício de se ser. Digo-to agora: esquece que podes lançar o teu carro a toda a velocidade e fechar os olhos por tempo indeterminado. O tempo indeterminado será o que te vale, como no famigerado contrato de trabalho que assinaste e pelo qual te deram efusivos e oníricos parabéns. E podes encontrar toda a tua vida no abrir os olhos, surpresos de ainda estares na estrada porque tudo era estrada, tudo era possibilidade de estares num carro lançado a alta velocidade, com vontade própria.
Há dias em que a arma és tu.
Há dias em que a arma és tu.
Há dias em que a arma és tu e essa é a maior verdade que podes conhecer porque estás alterado por algo que bebeste, fumaste, ingeriste só para poderes dizer que sabes colocar a vida em perigo, como nos filmes de gente desesperada.
Desesperado é aquele que se constitui arma. Desesperado é aquele que usa as palavras como forma de justiça de terra queimada em guerra solitária. Vais ser um resistente, vais ver. Ou então, abres uma porta impossível e tudo se encaminha para que encontres um corredor de leite e mel, coisa de Mar Vermelho aberto por profeta poderoso e de sólida reputação. Há dias em que o profeta és tu e sentes que isso é merda. E falas assim porque as palavras bonitas a designar coisas que cheiram mal não são arma que se use. Hoje não é dia de palavras bonitas porque hoje é dia de desespero para muita gente, para alguém que conheces e deixou o filho morrer de fome num país que salva bancos antes que estes fiquem nervosos. Hoje é um dia de palavras datadas, sem o alcance de ficarem na história porque a história é um esgoto a céu aberto e isso exige uma arma eficaz. Hoje a arma és tu. Hoje a arma és tu. Dispara-te. Dispara-te e chora depois. Vais ver que não morreu ninguém: é tudo fogo de vista e construção retórica.
Hoje a arma és tu. Hoje a arma és tu. Hoje a arma és tu. Hoje a arma és tu. Hoje a arma és tu. Hoje a arma és tu.

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