15/10/14

Não haveria nada de mal em quereres sair antes dos outros, antes que dessem pela tua presença. Sempre foste invisível, pensas. Se reparares bem, não és invisível. A tinta de que és feito tem pouca resistência ao uso e dilui-se com facilidade. Não tem que ser mau, isso. Não tem que haver mal nisso. Estás mais protegido contra a exposição excessiva, embora não te pareça agora que isso é uma virtude, uma vantagem, um ardil de sobrevivência. Querias ser visível por mais tempo. Querias não te desvanecer com tanta ligeireza, não ser apresentado várias vezes à mesma pessoa, sempre o colega de fulano, sempre o primo do outro, sempre o filho da outra, o marido de alguém, o tipo que se parece com o outro, aquele que não se tem a certeza de já ter cumprimentado. Querias ser notado e dizes que não. Querias ficar gravado de forma indelével à primeira vez, ao primeiro encontro, à primeira fala, à mais elementar exposição a ti mas és assim,   quase como a água. Poderias desaparecer e poucos dariam pela tua falta. Melhor, desaparecerias, dariam alguns pela tua falta, outros lamentariam que fulano, a esposa, o pai,a mãe, o filho e o trabalho louvável que fazias sentissem a tua falta. Dias depois, tudo como dantes. Mas não é mesmo assim com tudo e todos? Inodoro, incolor, insípido, informe. Desapareceste e não houve um murmúrio sequer. 

Sem comentários: