12/04/17

Inventa | rio

Não há chávenas de porcelana penduradas no armário. Tem este duas portas envidraçadas e, na prateleira central, uma fila de objectos diversos, sem qualquer organização expectável. Parecem ser visíveis um abre-latas cromado, na segunda prateleira, no qual estão alinhados, por um furo central, cinco dados de póquer, um canivete de cabo cor de safira e lâmina ferrugenta, enrolado num pedaço de papel pardo, uma caixa de comprimidos para a angina de peito, uma caneca com a imagem de um lobo da Alsácia no topo de uma montanha, um lenço branco dobrado, com bordado monocromático da ilha da Madeira virado para cima. Tudo isto são coisas soltas, categorias rebeldes, frases sem predicado, sujeitos indeterminados, gramática de objectos estranhos. O pó no chão era denso, todos os passos ficaram para memória futura. Ao lado, uma braseira adiada, com alguma cinza e dois ou três pedaços de carvão. Sendo exígua, toda a casa era um espaço de clausura a perder de vista. Escreveu, com um dos pedaços de carvão, uma tentativa de frase territorial. Fê-lo, sem se dar conta, apenas na parede virada a sul. Queria afirmar-se, declarar 'estou aqui', mas apenas se perceberia um pouco do 'aqui'. 
Não se herde nada que não queiramos ver nosso.

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