15/12/17

Versículo 19. (retrospectivo e 1º fora-de-formato)

19.
Trocavam versos japoneses de 1947, a vida suspensa em cada flor das inúmeras cerejeiras dispersas pelas colinas. Sentiam o papel quente, natureza púdica, surpresa primaveril, desejo de sabedoria estampado em faces por arder. Toda a terra arde, comentavam. Todos iremos neste imenso braseiro dos deuses, todos nos perderemos, sem que haja caminhos de volta, porque o vazio tomará conta das nossas existências. Oravam poesias-preces, eflorescências piedosas implorando misericórdia, suavidade na hora da partida, honra no momento, solenidade na leitura de palavras belas que pudessem redimir os seus mundos todos. Contemplavam objectos dispostos em casas, pessoas a dormir, crianças a sonhar futuros fabricados, lojas assoladas por pedaços de poema nas montras, projectados por ventos inomináveis. Seria, tudo isso, uma forma de passagem de barcos por entre solidões, em rotas convergentes. Fariam donativos aos pobres, dariam esmolas aos mendigos sentados nas árvores, à espera. Estariam todos à espera, com versos na mão, sem outra certeza para além de coisas escritas em suportes perecíveis. Chamar-lhe-iam flores, ou frutos, segundo a liberdade da boca que procedesse à vocação. Seriam chamados à presença de todas as palavras contidas no entendimento humano e a luz não os alcançaria. Talvez tudo arda, comentavam. Talvez possamos contemplar-nos por escrito e sentir que tudo terminou com a palavra esperada.

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