04/07/18

Versículos 35 - 39

35 Haverá, para os dias, algo como marés. Estará o curso de cada volta da terra sujeito a ondulações, de intensidade e cadência diversas, e surgirão homens e mulheres, de todas as idades, que apenas existirão nas praias, como espuma. Na linha da costa, florescerão corpos e haverá habituação a essa terminação de ondas, entre avanços e recuos tornados padrão. 36 Surgirá discussão em torno do fenómeno e concluir-se-á, por via de ciências, que há em tudo o visto, ouvido e intuído, influência da lua e de outros corpos celestes a descrever rotas no vazio. Tudo isto se aceitará, não como fatalidade, mas como conhecimento novo e celebrado. 37 Será subtraída às praias a areia, e ocupado o espaço por epitáfios dispostos sem método dedutível, citações de trechos heróicos a sobrevoar mortes, tranquilidade induzida em consciências inquietas. Todos dormirão sonos diferentes, embalados pela memória do mar. 38 O mar perderá consciência de si e sentir-se-á imensa vala comum representável em partitura para orquestra a definir. Sairá do mar previsível lamento vão, coisa imperceptível, sem valor civilizacional. Ninguém reparará, porque não há reparação possível para além do espanto que causará. O espanto será condição de subsistência e critério de valoração estética. 39 Seremos todos convocados para o tempo do espanto e do lamento vãos.

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