12/03/07

30/11/2006

Ao fundo, o barco não era mais do que um ponto esverdeado no azul também esverdeado do mar. Ao fundo, ao linha do horizonte, escura, anunciava muitas coisas, entre elas mau tempo, não necessariamente uma tempestade, mas mau tempo.
No barco, o pescador e o seu filho olhavam para a falésia e para a praia. Os pescadores sabem ler todos os sinais que o cenário vai dispondo em seu redor e este não era excepção. Olhou para o filho e este compreendeu. Começaram a preparar o regresso. Não tinha sido particularmente proveitoso, o dia. Alguns sargos, outras tantas douradas e meia dúzia de bodiões nem sequer renderiam grande coisa. Com mais umas horas conseguiriam fazer mais um dinheiro mas, desde que o tio e o avô tinham sido engolidos por uma onda que lhes virara o barco a umas duas milhas dali, nem havia muito a pensar. À medida que o chumbo das nuvens avançava sobre o mar e o sol morria na linha do horizonte, o escuro tomava conta de tudo. Estavam à vontade. O vento ainda nem sequer tinha começado a soprar com uma força digna do nome. A rebentação começava a ouvir-se nas rochas e deixava uma espuma mais e mais visível, mesmo de longe, uma espécie de neve do mar colada às rochas.
Ao fundo, o barco era o mesmo ponto esverdeado no azul também esverdeado do mar. E isso bastava-me. Como visão de fim do dia era fantástica, na sua dimensão pictórica. Parecia que o barco procurava encaminhar-se para a rebentação e, pela lógica, atingir a costa, agora que o escuro das nuvens avançava decididamente sobre mar, tomando conta de tudo. Olhei para trás e a estrada que dava acesso à praia vizinha estava deserta. Daqui da falésia, a praia estava também ao fundo, apenas um pouco menos do que o barco. O dia terminava com o regresso daquele barco. Por uma noite mais ninguém teve de se despedir para sempre.

1 comentário:

Joana Roque Lino disse...

escreves de uma forma muito intensa. gostei muito deste teu texto. há dores que parecem não ter fim. há dores injustas. há dores que não dominamos. somos apenas seres humanos. todos erramos. todos precisamos de compreensão, de carinho, de alento, de sermos desculpados: pelos erros, pela culpa. e a dor de uns não apaga a dor de outros, porque cada sente a sua dor à sua maneira, com uma intensidade própria. e não desaparecemos só porque deixamos de ser matéria. só porque não somos ossos e carne ali à frente. quando alguém existe para nós, essa pessoa continua cá, mesmo que vire costas, mesmo que continue em frente, mesmo que parta, mesmo que nos deixe num ilhéu com pouco mais do que água salgada a rodear o que julgamos ainda ter vida.