15/06/07

finais de dia com sabor a fim IV

Chegaste agora a casa. Tomaste a tua decisão, declaraste-a como irreversível porque nada faz sentido, a tua vida não vale nada e não suportas mais dor, especialmente a que não consegues identificar, a que é difusa, a que te devora e te levará à implosão, a uma qualquer implosão sem rasto.
Dá-me apenas um segundo. Deixa-me tentar apenas convencer-te do quanto vales a pena. No final, se quiseres, podes continuar a pensar que o teu valor é o mais absoluto zero, que o movimento dos astros é indiferente ao que dizes, fazes, sentes, pensas, que o facto de respirares não interfere com o ciclo das marés, nem com a órbita da lua, que o pulsar do teu coração e o fluir do teu sangue nas tuas veias não altera o sentido do curso dos rios, nem provoca as chuvas, que o teu choro não inverterá a seca, nem acabará com a dor ou a fome no mundo. Dá-me um segundo, apenas um para isto tudo.
Se o fizeres, talvez te possa falar de lágrimas que correrão por tu não andares por cá, de sonhos menos coloridos, porque muitas das cores se diluirão com o arrefecimento do teu sangue. Falar-te-ei de vazios e silêncios que apenas tu saberás preencher e aos quais apenas tu saberás dar sentidos. Talvez te possa dizer que algumas flores sentirão a falta do teu odor doce e morno e que talvez algumas das muitas ondas do mar sentirão a falta do teu corpo quente a aquecê-las.
Sinto, contudo, que um segundo não chega, porque uma vida toda também não chegaria. Estás convencido de que sabes o que vales, de que nasceste com um nó no cordão umbilical e que terás de viver, o tempo que tiver de ser, com um nó na garganta. Estás convencido de que vives uma vida só tua, de que as raízes e os ramos da tua árvore não estão ligadas a nada nem a ninguém.
Peço-te apenas um segundo, e outro, e mais outro ainda, todos aqueles que me puderes conceder, um após o outro, nada mais. Pode ser que o último seja o decisivo, que seja ele o te deixará livre.
Quanto a mim, dou-te todos os segundos do meu tempo, todos os que quiseres que sejam teus, porque somos uns dos outros e o tempo não nos pertence. Talvez ainda te convença, talvez venhas a achar que vales a pena e que ninguém pode tomar o teu lugar, seja onde for. Talvez não seja tão impossível assim. Ou talvez não. Seja como for, dá-me um abraço, daqueles que o teu pai ou a tua mãe provavelmente nunca te deram. Daqueles que talvez te façam chorar pelos medos todos do teu escuro, dos teus monstros. Daqueles que te façam ganhar, que mais não seja, apenas um segundo, mais um apenas.

33 comentários:

Anónimo disse...

Me encanta leer en tu idioma. no es tan dificil, es extraordinario. Un abrazo. Carolina

sonhadora disse...

Sonha nas águas cristalinas do teu mar.
Bom fim de semana!
Beijinhos embrulhados em abraços

rita disse...

É tão fácil reconhecer humanidade a estas palavras - fácil e doloroso, que devia ser natural amar a vida sem dores difusas; e devia ser possível convencer uma pessoa (triste) do seu valor.

Lana disse...

só mais um segundo para lhe enviar 1 sorriso muito luminoso e um bom fim de semana.
Lana

mafalda disse...

Olá, Baudolino. Muito obrigada pela visita ao meu blogue e pelo simpático comentário que lá deixaste. Vim retribuir a visita e deparei-me, logo à cabeça, com um belíssimo texto, de rara sensibilidade e muito mais que se lhe diga... Depois, percebi que não era "filho único" e que vou dedicar algum do meu tempo à leitura dos teus outros textos, como me parecem merecer. Vou "linkar-te", se não te importares... não te quero perder, agora que fizeste com que te descobrisse, e vou voltar, com calma, sempre que me apetecer. :)

Beijos.

bettips disse...

Tocada, tocante. Belo dizer de amizade, quando tudo é tão nu, assim. Obrigada por passares e me teres dado oportunidade de te ler, especialmente este...Abç

vida de vidro disse...

Um post duma enorme humanidade, sem nunca deslizar para o sentimentalismo fácil. A qualidade da escrita facilmente reconhecível. E a sensibilidade desse "segundo"... **

Fernando Pinto disse...

Obrigado pelas palavras no meu "Labirinto de Olhares". Gosto muito da sua forma de escrever, da sua escrita...

Abraço,
FMOP

Luiz Carlos Reis disse...

Gostei de tuas visita, encantei-me com esta bela postagem.
Faria sem pressa uma analogia à Baudelaire.

Grande abraço!

ml disse...

lindo*

Anónimo disse...

vinha só agradecer a tua passagem pelo meu blog. mas deixaste-me emudecida com a força das tuas palavras. absolutamente magnífico...

fiquei realmente tocada com este texto.

Ka_Ka disse...

No ICRL, oportunidade para ouvir Florin Turcanu, um dos melhores peritos romenos sobre Mircea Eliade e autor de «Mircea Eliade - Prizonierul istoriei», uma monumental obra sobre esse mestre do pensamento que viveu em Portugal grande parte da sua vida. A palestra é às 18.30H na Av. Luís Bivar, 61, 4º andar.

un dress disse...

pungente. belo.

palavras.que.marcam.


/foi prazer em vir aqui .../




até.já

turbolenta disse...

Ainda bem que passou pelo meu blog.Só assim tive oportunidade de conhecer a sua maravilhosa escrita. Estive a ler as postagens anteriores.Fiquei encantada com o que li, Passarei a ser" visita da casa2.
Posso?
Obrigada.
Voltarei

Lana disse...

como prometido tenho um novo post.
lá o espero.
boa semana.
1 sorriso luminoso
Lana

jguerra disse...

De humanidade, de fraternidade... tantos palavrões que definem sentimentos tão pequeninos e que felizmente sinto com grande fulgor neste texto. Deixas-me quase de lágrima no olho, de tristeza desmedida por saber, e é verdade, que tantos pensam assim, que nada são, que nada conseguem. No entanto, de infinitas gotas de água é feito o oceano, de seres individuais é feita a humanidade. Sentir o vazio, sentir a solidão, sentir-se o mais pequeno ser do Universo é muito mau para a conciência individual. E, por vezes, por mais que façamos e digamos nada conseguimos alterar, deixando-nos aterrados perante o tamanho do sofrimento que não conseguimos combater.
Abraço.

.mademoiselle dani disse...

também ele não sabia o seu valor e também eu não tive nem mais um segundo para o convencer ou pelo menos para ouvir o que ele tinha a dizer. foi-se a vida assim.

Anónimo disse...

No creo haberlo entendido del todo, pero una cosa si te aseguro, lo que entendí me gusto y suena como la lírica, con una musicalidad especial. Seguiré intentándolo.
Un abrazo y gracias por visitarme.

Luís Galego disse...

que o pulsar do teu coração e o fluir do teu sangue nas tuas veias não altera o sentido do curso dos rios


o texto é pungente, mas a realidade parece-me crua....será que temos o dever de insistir quando o outro já não se encontra disponível?

Letras de Babel disse...

pedes tempo para desatar os nós que te prendem a ele.

[agora em letra pequenina como quem pensa, ou diz baixinho, alguma coisa a alguém: não os desates. ficas sem ter com quem falar. ou do quê.]


____________


beijos

un dress disse...

foi um prazer vir aqui...:)

/assim..., sorry.../



*

Rhiannon disse...

Num segundo apenas, a descoberta da eternidade de uma alma...



Muito bonito.

Paula García disse...

Que hermosas palabras! me cautivó tu blog, aunque suene en otro idioma. Te dejo un abrazo. :)

Isabel Moreira disse...

nem de propósito
belo texto

isabel mendes ferreira disse...

não sei o que dizer....







tocante!!!!!!!!!!!!!



beijo.

Lana disse...

caro bau
só mais um segundo e vá ao meu blog.
1 sorriso luminoso
Lana

Yayo Salva disse...

Un texto que rezuma humanidad palabra por palabra.
Saludos.

moonlover disse...

Lindo!

Tão real!

um beijo,
moon

SONY disse...

Agarra no trevinho anda!
Há muita gente à tua espera, planta-o no teu jardim aqui!
bj
Sony:-)

blue disse...

obrigada, baudolino.
voltarei, de novo.

x disse...

tão bonito baudolino, sabe mesmo bem vir aqui.

Blas Torillo Photography disse...

Bau... Han pasado muchos días, un segundo tras otro y otro más, dirías tú, sin que viniera a tu casa... Y me encuentro este texto que me deja pensando en todo lo que soy para mí mismo.

Y si a veces pensamos que la vida no vale, la nuestra propia quiero decir, me gusta este viaje al interior donde descubro que en realidad el que le da valor soy yo mismo. Así que ay de mí, si me precio por poco.

Un abrazo amigo. Muy fuerte y muy sincero.

isabel disse...

Estou sem palavras.
Turbulento, sofredor, ansioso, desesperado.

É a realidade, nua e crua!