26/12/07

não posso dizer que isto é uma história de Natal, embora me apetecesse

Seguia ao longo das paredes fias das casas. A rua mal iluminada, luzes amareladas a lembrar que nem tudo deve ser visto em todo o esplendor das suas cores. Dentro de algumas casas, o cenário previsível do Natal, os ruídos das festas, pouco lhe interessava. Cá fora, a brisa cortante. Passo após passo, mais uma noite passada sem dormir a vaguear e sempre o regresso a casa, uma visita à última morada mas sem levar flores. Sempre a brisa cortante, sempre o frio. Subiu as escadas e entrou. Atirou as chaves para cima de uma cadeira, atirou-se para dentro da cama e deixou que o peso da roupa da cama se fizesse sucedâneo de amor. O frio não passaria, aquele gelo que lhe tomara conta da vida. Se lhe perguntasse, dir-me ia que, nessa noite, sonhara com cores diferentes do cinzento frio dos seus dias, com o amor a envolvê-lo, com o vento frio e seco a soprar-lhe lucidez. Desejar-me-ia um feliz Natal, provavelmente. Olhar-me-ia com os olhos de quem se despede, uma e outra vez, ainda que não saiba sequer por que razão o faz. Seguiria no seu passo, a certeza entregue ao caos, apenas porque sim.
Talvez haja quem se sinta uma andorinha a rasgar o frio do Inverno, a vida toda. Talvez tenha de partir para outro sítio.
Alguns partem mesmo. Nunca os compreenderemos, talvez. Pergunto-me se seria relevante se faria a diferença, se alguma vez saberemos o que seria fazer a diferença para alguém a quem o ar não chega para que possa respirar. Esperemos, por tudo o que foram, que não façam a sua viagem em vão.

7 comentários:

Manuel Bruschy Martins disse...

Esperemos que não façam a sua viagem em vão. Nada pior que a vagueza no resultado do fazer as contas à vida.

Obrigado pela visita e pelo comentário. Também eu lhe desejo um bom começo de 2008, esperando ainda que tenha tido um bom Natal.
Abraço

Rhiannon disse...

Todo o texto é intenso... duas imagens levo comigo:
"... uma andorinha a rasgar o frio do Inverno a vida toda."
"..alguém a quem o ar não chega para que possa respirar."


Que 2008 sorria para si!

J. disse...

Simplesmente brilhante (gostei logo do título). A mim também me tocou muito a imagem daqueles para quem o ar não chega para respirar.
Agora que o Natal já passou (e bem?), desejos de um 2008 pleno, sendo que a plenitude não é tudo o que queremos, é o que nos faz respirar, para além do ar...
Obrigada pelas visitas, sempre muito apreciadas. Bjs. J

Joaninha disse...

Obrigada pela visita... Mais uma vez nos presenteaste (bem ao jeito da época festiva) com um texto bem escrito e com densidade, principalmente no "esperemos, por tudo o que foram, que não façam a sua viagem em vão". Sempre que para aqui viajo (navego), não é em vão.

rui disse...

Olá Baudolino

Claro que é uma história de Natal , e que nos toca bem no fundo!

Espero que tenhas vivido um lindo Natal, agora aproxima-se o fim do ano.

Que tenhas um Feliz Ano Novo, que este 2008, seja um ano em que possas realizar muitos dos teus desejos.

Grande abraço, amigo

mafalda disse...

Amigo Baudolino,
Votos de um excelente 2008!
Beijos.

isabel mendes ferreira disse...

mas eu acho. acho que sim.



muito.



__________________.



bom o re.encontro.



abraço.