26/10/09

Sentou-se no muro. Era de pedra, o muro. Sentou-se e esperou pensar em algo épico que pudesse fazê-lo traçar outro rumo, outra rota, algo assim. Imaginou de novo os dragões da infância, voadores incansáveis, guerreiros ferozes e doces que tantas vezes o carregaram, como escrevia nas composições da escola, 'por montes e vales'. Épico mas morto, tudo isso, como a pedra do muro. Pensou no guarda-chuva aberto de que se muniu para o famoso salto de cima da baliza, na escola, o mais curto voo em queda livre da história, de uma história qualquer, com guarda-chuva e nariz partido. Lembrou-se ainda de observar as formigas, de as ver carregar fardos com mil vezes o seu peso. Épicas, as formigas. Olhou algumas pessoas que passavam lá em baixo, na rua. Como as formigas, evidentemente, incansáveis. Por ver aquelas pessoas é que se terá lembrado delas, das formigas. Carregavam as pessoas o seu pequeno e pesado fardo de palmilhar a cidade em busca de dinheiro para pão. Nem fardo, nem pão eram algo de épico, nem os dragões voariam. Olhou a rua e voou, sem guarda-chuva. E chovia. Chovia pouco, uma chuva suave a molhar a rua. E a chuva viu que ele passava, no seu livre voo, e fez-se nuvem, de novo, ali mesmo. Transportou-o a chuva às costas e carregou-o por montes e vales. E termina esta história, composição quase escolar de más aventuras, com o mais curto voo livre da sua existência, o mais épico também, o mais sombrio, dirão alguns, o mais cobarde, dirão outros. O mais livre, digo eu, com nuvens e chuva por sobre as minhas palavras e de mão dada com o meu silêncio. Fraternal, o meu silêncio, cúmplice, cobarde. Uma vez chega, é até mais do que suficiente, diria ele. Era uma vez.

6 comentários:

CCF disse...

Era uma vez uma formiga com asas e capacidade de cantar, era bom que esses bichos se pudessem misturar! Era uma vez...a nossa possibilidade de dar a volta às histórias.
~CC~

a casa do diospireiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
x disse...

consegues sempre deslumbrar-me com as tuas palavras. esse sentimento de ver as pessoas pequeninas com os seus fardos diários faz-me lembrar as estadias na maravilhosa janela de minha casa, a observar as pessoas e os seus fardos diários, mas consigo ver sempre muita felicidade. *

* hemisfério norte disse...

era uma vez
uma espera
em
silêncio

bj
a.

x disse...

http://mylifeisaverage.com/index.php (delicioso, acho que vais gostar)

jguerra disse...

Olá caro amigo. O blog voltou, com visual renovado.
Aguardo visita tua.
Eu volto com certeza para te ler com mais calma.