10/02/10

nado-morto

Foi feliz anos a fio, ela. Dia após dia, filho após filho, numa complacência eficiente de boa filha, boa mãe, boa esposa. Também ele foi feliz, anos a fio. Tantos anos quantos aqueles que ambos estiveram juntos. Até hoje. Aliás, ainda hoje estão juntos, numa complacência eficiente de casal perfeito, com os filhos exactos em número e perfeitos em tudo, na casa quase perfeita, não fora uma malfadada janela, ponto único na convocatória das suas dissensões. Ainda hoje, um dia sem queixas termina, invariavelmente, sem grandes manifestações de insatisfação.
Hoje ela chorou toda a tarde sem saber por que razão as lágrimas a impediam de ver, dia de chuva impiedosa na alma. Hoje, ele ouviu-a soluçar de noite, sem saber por que razão o fazia.
Amanhã, a narrativa do seu dia será a do clássico bilhete de ida. Partirá, para um sítio que não sabe ainda como é mas fugirá de tudo, até de si, especialmente de si, pensará mais tarde.

E todos sofrerão com isto tudo, sem saber bem por que razão a tempestade se abateu por ali. Chuva impiedosa sobre a alma.
E desta chuva sobre terra sequiosa não nascerá o mais intrépido resquício de vida.
Andará, anos a fio, o odor de um luto informe pelo ar.
Amanhã, esta história poderá ter um final diferente mas será ficção, a minha. Hoje fica por aqui.

4 comentários:

Rui disse...

que as lágrimas são salgadas

x disse...

(fica?). gosto das frases não muito curtas, da forma como se encaixam no caminho para a partida, particularmente. *

x disse...

(fica?). gosto das frases não muito curtas, da forma como se encaixam no caminho para a partida, particularmente. *

P disse...

x, não vai ficar, então.
Terei de arrancar 2 minutos para reentrar na história mas hei-de voltar lá.