30/05/10

- Pai, o avô L diz que um homem nunca chora...
- E a mim, já me viste chorar?...

Já viu e verá. Porque, mais ou menos homem, a ferida dói, a perda magoa e as cicatrizes são sempre diferentes do resto da pele. E por elas, leitos esculpidos e pintados no relevo imaculado do corpo e da alma, pode fluir a alegria, o espanto, a cólera, o desespero, o que nos fez humanos.
Compreendo-te, avô L, melhor do que pensas. Tens na garganta uma represa feita dos dias em que a vida te arrancou pedaços e essa chuva ácida te inundou avassaladoramente. E nunca choras porque as lágrimas foram feitas para os fracos, porque levaste, como todos os homens que não choram, uma vida de sobrepor tijolos, de edificar o paredão que estanca essa água que corre. E assim se forjam os fortes, endurecidos por essa acidez que teima em não poder sair, circuito fechado. Talvez.

- Pai, o avô L diz que um homem nunca chora... Mas eu já o vi chorar...
- Claro, M. Todos choramos, às vezes. Não é uma coisa de homens ou mulheres, de criança ou de adulto.
- Eu sei, já te vi chorar.

E percebeu, sem grandes explicações. Falamos muito. De futebol e de flores, das cores do céu e do bramido do mar e dos olhos, com ou sem lágrimas. Porque tudo faz parte da vida, até a morte. E, sobre essa, soubemos cedo o que significa pô-la por palavras em cima da mesa e ir lavando a mesa, com tantas coisas e lágrimas também, como só os fortes fazem, mesmo que sejam homens.

1 comentário:

x disse...

tenho tido tantas saudades do meu avô, pensado tanto nele... gostava de lhe ter dito tantas coisas e de ter sorrido ainda mais... foi nele que pensei quando li o teu texto,por entre a beleza das palavras e a harmonia que as enquadram. obrigada por voltares a escrever. *