24/10/10

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Hoje, num domingo de outubro, foi cremada a minha amiga Lena.
Era Helena, ela, e era minha amiga de muitos anos, sem o dizermos todos os dias, sem nos vermos com a desejada regularidade. Se quantificarmos ou qualificarmos ou algo assim, era mais amiga, a Lena, de algumas pessoas do que de mim próprio e menos de outros. não me importa mais do que o suficiente para o ter mencionado. Gostava dela mais do que o suficiente para ter a certeza de que gostaria de me cruzar mais vezes com ela e rir. Mas não nos cruzaremos mais por aqui, nem nos acenaremos quando nos cruzarmos nos carros depois de levar os filhos à escola.
Hoje, chorou muita gente perto daquele corpo sem vida da minha amiga Helena. Eu não chorei porque não me apeteceu chorar ao pé de alguém tão bonito. Estava bonita e em paz, a minha amiga. Se tivesse feito algo, talvez fosse um sorriso ou um passar da minha mão pelo rosto mas estava muita gente perto da Lena e fica para agora, aqui, esse carinho. Estava também aquele que partilhou a vida com ela e que levava sobre os ombros os dois filhos que ficaram a pensar se virá aí uma longa noite sem mãe. Estava incrédulo, o marido da Lena, embora já o tivesse previsto.
Estou farto de que vão sendo cremadas e enterradas pessoas, gente no prólogo da vida.
Outra Lena, Helena, a minha afilhada que adormeceu muitas vezes no meu colo, enquanto eu estudava coisas de literatura e afins, e que se apaixonou, aos três anos, por um primo meu com mais de um metro e noventa de altura, receando que ele crescesse demasiado até à altura do casamento, não cabendo então na igreja, foi enterrada há tempo, numa tarde estranha. Disse-se então que descansaria em paz entre os esplendores da luz perpétua e outras coisas que se deduz serem audíveis por Deus. Por sobre o túmulo, e por sobre o sofrido corpo da Lena, de rosto doce, foram cravados, sucedândeo de eternidade, dois obituários em litígio, estandartes de uma guerra velha de família que tantas vezes a deve ter feito pensar em como gostaria de se esconder, nem que fosse ali, no conforto da terra. era uma pessoa de paz, esta minha afilhada Helena.

Anda a morrer gente demais cedo demais e eu lavro aqui o meu ridículo protesto.

Antes já tinha partido o João mas agora perdi a vontade de continuar a juntar mais duas letras que sejam. Chega por hoje.

3 comentários:

x disse...

tenho medo, um medo incrível do que o de mais natural há. (nunca estamos preparados) *

roni silva disse...

Não comento. Sinto a abrangência emotiva de um sentimento comum.

P disse...

x,nunca.

roni, fiquemos então no silêncio do respeito.