06/11/10

Não podes ser poeta.
Nunca. Sabes isso.
O poeta não é ridículo nem seria tolhido pelo medo se o fosse, é poeta.
Não permitas que o teu desejo te ludibrie com a promessa antiga de que tudo, até o verbo, pode ser teu se te entregares.
Não podes ser poeta porque não conseguirás dizer com uma única palavra o que é o mundo enquanto te propões incendiá-lo por amor, nem conseguirás nunca possuir as palavras e dar-lhes a liberdade maior.
Não tens talento para cantar a vida ou a morte. Viverás com a Grande Negação a guiar-te e passarás tempo a ruminar a vida enquanto esperas que a morte te ajude a mudar o curso dos teus dias.
Não serás poeta.
Não podes sê-lo.
Não és correspondido nesse amor doentio pelas palavras. Serão sempre elas, prenhes de condescendência, quem te passeará por uma rua esconsa, ocultação de significado letal. Serás, talvez, num vislumbre de justiça pobre e consoladora, o fiel cão das palavras.
Não serás poeta.
Nunca.
Nunca.
Nunca. Nem tenhas a veleidade de o ser na próxima Segunda-feira, no Domingo passado, nos dias varridos pela ira, nas horas em que achas ser paz o que respiras.
Não podes ser poeta e consumir-te-ás nessa ausência: oráculo infalível.
Não podes ser poeta sendo tu.
És nada e nada não pode ser poeta. Nunca.

4 comentários:

Custódia disse...

Nunca poderás ser poeta ?
Mas se já o és !

P disse...

Obrigado, Custódia.
É simpático da sua parte.
Por um lado, o sujeito do texto não serei eu... Por outro lado, nunca poderei ser poeta. Sinto-o.

x disse...

o teu eu poético é sem o ser. *

Sara Rodi disse...

Também eu preciso de vir mais vezes. Talvez nunca sejamos poetas, não, mas não consigo deixar de pensar (talvez apenas na minha inocente ilusão) que seremos sempre qualquer coisa enquanto nos dermos a ler. Vou ler-te, Baudolino.