27/11/10

'Segredo' era a palavra por derás dos olhos dela, dizia-se a si próprio. Quando, num jardim, olhava as flores presas à raíz, pensava em como a beleza, aquela beleza, está sempre refém de algo e, talvez, de alguém que a nutra. Por detrás dos olhos dela sentia um outro tipo de palavras para significar beleza. Livre, absoluta, devastadora, o segredo.
Viu-a partir, dona de si, do seu jardim, da sua beleza, alheia ao amor alheio.
Todos os dias passava fazia aquele caminho, na esperança de que a porta se abrisse e por ali passasse aquele olhar-segredo que se cruzaria com o seu. Viveu suspenso entre o medo e a esperança. Irmãos de sangue, o medo e a esperança.
Hoje, repito, hoje, viu-a partir, dona de si, alheia ao amor alheio, com uma pequena mala e um andar de despedida. Eram quase nove horas, das da noite, e ainda havia luz de sol suficiente para distinguir as cores do vestido tépido, as alças finas, os ombros esplendentes nos quais carregou, até à esquina e nunca saberemos por onde mais, o desejo alheio. Mais umas horas e a lua nova inundaria tudo com a sua sombra. Tudo.

2 comentários:

x disse...

gosto muito deste registo. podes corrigir-me se estiver errada, mas parece-me bem diferente dos últimos textos (pelo menos, assim o senti). *

P disse...

x,
não sei bem se é um registo diferente. Sim, é diferente dos últimos textos. Agora que falaste nisso, reli. Raramente releio as letras deste Baudolino.
Este texto não foi escrito aqui directamente, como, talvez, a maioria. Apareceu-me um papel com a minha minúscula caligrafia na pasta do computador. Não me lembro exactamente de o ter escrito mas é razoavelmente recente, pela caneta (agora ando de novo com a mania de escrever com um marcador 0,1). Deve ter sido alguma cena que observei entre reuniões ou algo do género e lá peguei no papel e na caneta e escrevi isto.