António Contreiras era um dogmático. Sempre o fora e, toda a sua vida, buscara com desespero uma noiva que o fosse também. A vida fora-lhe leve, apesar de suada a demanda da dogmática com a qual, em estreita cooperação, edificaria a torre de gelado de baunilha que lhes serviria de tecto.
Passaram três anos sobre a data na qual pedira em casamento Alzira 'Zirinha' Estrompa. Alzira declinara, alegando que gostava dele, que tinha expectativas elevadas relativamente à gratificação sexual, especialmente desde que o vira de tanga, na praia, no dia em que Genoveva Barata surgira nua em todo o seu esplendor. Contudo, continuara Zirinha, o coito não era todo o sexo e o sexo não era tudo e, sabia-o ela bem, o trabalho de Contreiras na repartição da Segurança Social convertera-o num burocrata. Ora, rematara Alzira, ela julgara-o um dogmático, crera-o dogmático puro, apaixonara-se e empenhara dogmaticamente a sua virgindade; tudo o que não poderia acontecer seria cair num burocrático logro. Terminara assim o namoro, ficara adiado sine die o dogmátco orgasmo, caíra António num dogmático marasmo.
Subiu Tonho Contreiras, nesse mesmo dia, à torre da Igreja Matriz e, de lá, se precipitou, tão dogmaticamente como viera ao mundo. De um buraco para o outro, pó regressado ao pó numa inexorável coerência dogmática.
(Para quem me quiser despedir: este ignóbil e paupérrimo texto foi escrito numa reunião oficial e dogmaticamente consagrada ao trabalho em prol da Coisa Pública, no dia 26 de maio de 2010. Encontrada foi a historieta, em vias de reciclagem, um ano depois da dita reunião; desta, nem rasto, nem memória. Fraco trabalhador ou ausência de trabalho? Nunca saberei especialmente porque não investirei uma única sinapse neuronal no apuramento dessa dogmática verdade. Ich bin nicht eine ernsthafte Arbeiter...
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