[‘O que esperas de mim?’ Perguntaste sem sequer mostrares tristeza,
apreensão. Foi uma pergunta simples, como ‘Está mais frio hoje, um pouco pelo
menos, não te parece?’. Não te respondi logo. De facto, nunca esperei nada.
Sempre senti, de uma certa forma (que é o modo seguro de não assumir logo a certeza ou o medo todo), que não serias minha, nunca, que estarias sempre por perto mas
nunca seriamos um par daqueles de dar as mãos e rasgar lugares-comuns até esse maior que é a
linha do horizonte. Disse-te isso como pude, como consegui. Sorriste. ‘Nunca
fui tua?’ Disse-te que não sabia, que não seria bem isso, que sempre tinha sido
feliz ao teu lado. ‘Então...’ Então? Gostaria de envelhecer contigo, de pensar
que teríamos a eternidade, mesmo que isso fosse lamecha e que a eternidade fosse
o que tivesse de ser, talvez só até amanhã de manhã, ao nascer do dia, lá em baixo na praia. ‘E não
podemos ter isso? Eu acho que sim. Podemos pegar nos sacos e ir até ali pela
maré baixa. Vamos acordar amanhã, ao nascer do dia e, como sonhaste, tivemos a
eternidade.’ Sorriu. Sabes que não era isso... ‘Sei. E não te basta?’ Não sei se sei responder. Acho
que não. Nunca te disse pois não? ‘Assim, por palavras ditas, não. Nunca
gostaste de navegar à vista...’ Não. Sorri. E tu não gostas de planos. ‘Sempre
gostei de navegar à vista. Pode ser um plano. Um dia, vais ver que estaremos
velhos, a navegar à vista, juntos.’ ‘Sabes que tenho sempre medo, posso já não
te ver bem...’]
E o que dizer do insidioso pudor de reproduzir aqui este momento/diálogo,
o receio disto e daquilo. O que se pode esperar da beleza de se gostar de
alguém que não seja um concentrado de enjoativo açúcar? So what?
2 comentários:
gostei do texto, é um titubear, espaço de intenções várias.
Estive a vaguear por ali deliciada nas palavras.
Li também o «protopoema ...»
Tudo de uma escrita excelente e de grande domínio das palavras.
Boa semana e bjs
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