A caixa de madeira deixava no ar um expectável cheiro a lenha húmida. Ao
pé do rio, tudo parece cheirar a humidade. Junto aos troncos meio
submersos, foram enterrados, por inúmeras gerações, os membros da
família, todos, excepto os desavindos. Desses nunca se soube que terra
lhes terá caído por cima, se alguma caiu. Pensava Arsénio em como não se lembrava de
ter visto o rio a subir e a galgar a margem. Desde que tinha consciência
de si, ou aquilo que em Arsénio corresponderia a isso, nunca o rio
tivera essa ousadia, essa iniciativa, esse ímpeto. Tudo isto eram as
coisas em que pensava Arsénio, perdido em equivalências de palavras. 'Um
dia teria de acontecer' era algo que lhe ocorria e consumia tempo de
cogitação. A possibilidade de saber os seus antepassados a banhos
forçados era algo que o fazia sorrir. O que seria daquele desarranjo de
ossos, e sabe-se lá de que outros vestígios, por ali a derivar entre
água e terra, traçando rotas improváveis na camada de folhas
caídas das árvores, com as lápides e as pesadas cruzes em pedra a
manterem o formato do jardim da memória familiar? Como seria previsível,
ninguém calculava o que tanto levava Arsénio a fazer as suas romagens
de saudades e pensamentos agravados àquela zona meio sombria da margem. E ele ia e continuava a
ir, só pelo gosto de imaginar que uma enorme cheia poderia ter este ou
aquele efeito, patos a nadar na horta, ossos do tio Demóstenes ali soltos, junto
das cenouras ou na boca da cadela do Freitas. Por cada pensamento
destes, uma pedra mais na caixa de madeira, a substituir outra lançada
ao rio. Tudo se transforma. De coisas simples se fazem prazeres pouco
ambiciosos.
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