Emocionam-te as imagens de animais selvagens em jardim zoológico. É
condição excêntrica de existência o estar-se confinado, a simular gozo
pleno de liberdade. Emocionas-te por evidente auto-comiseração. És
sempre tu, em cada tigre imponente. És feroz, a responder ao teu impulso
mais primário, rasgando o triplo saco de serapilheira com a carne de
cavalo embalada e deixada pelo tratador. Poderias ser símio gracioso e ágil que
salta e supera obstáculos para recolher as frutas que o tratador deixou
às nove horas da manhã, como habitual. És apenas tão feroz quanto o
podes, tão autêntico quanto te deixam. Alimentas a ilusão de que podes
dominar o teu território, impregná-lo com os teus cheiros, deixar por
todo o lado rastos do sangue das tuas presas, mas sabes que, no final do
dia, cai o pano e comes a máscara com a ajuda da água que te puseram na
taça. Sabe-te a desinfectante em demasia, a água, e a carne tem o sabor
do mel que deixaram para consolar os ursos, ou das ramagens que
apanharam, de madrugada, para felicidade de girafas ou de outros
bichos quaisquer, que com elas se console e alimente esperanças, se for
caso disso. E gostas de rugir abundantemente, mesmo que o faças apenas
para confirmar a ilusão, para que as dúvidas se dissipem em trovão bem
comportado e destituído de perigo. São rugidos fátuos, pálidos e
embalados hermeticamente em saquetas de plástico que poderiam estar em prateleiras de
mercearia. És músculo exaurido no vácuo da embalagem. És tu todo assim,
feroz doméstico de catálogo.
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