18/09/09

Lembro-me do estalar dos joelhos do meu pai, na noite das minhas já velhas insónias, ao aproximar-se do meu quarto. Entrava, sentava-se na beira da minha cama e, com toda a paciência, sugeria-me uma estratégia para chamar o sono, algo além de ovelhas saltitonas e clichés exauridos. O sono não chegava, como desejado, até o cansaço me vencer, como hoje. Hoje, quando o sinto menos paciente, tenho a certeza de que continuaria a convocar a sua experiência, mais do que imaginação, talvez, para me evitar a perda constante de sono. Hoje é o meu pai um companheiro para os meus filhos, a mais velha, exigente, o activo e espontâneo do meio e o exasperantemente calmo e reservado mais novo. Para todos eles é  uma presença que acalma, um companheiro de viagens longas a dois, pela frágil saúde da minha mãe, o garante de que tudo vai correr bem. É para mim o pronto-socorro que, sem questões, persiste em aparecer no local certo à hora certa. É o amigo que eu trato enquanto tal, com toda a frontalidade do mundo, ainda que nem sempre ele goste e nem sempre eu durma tranquilo depois, ao fim do dia... Sempre o sono ou a falta dele...
Poderia ser isto uma carta mas não é. É um manifesto, simples e pouco elaborado num dia triste, nem sei bem porquê, num dia em que me fazia falta falar um pouco com ele, nem sei bem porquê. Se calhar, continuo a esperar novas sugestões para novas insónias. Se calhar, quando emergimos crianças dos medos de sempre e vimos à tona da água respirar, gostamos de ouvir ruídos familiares no silêncio das nossas noites tão escuras, ruídos que possam dar sentido e conforto ao escuro. Um beijo.

3 comentários:

J. disse...

Ainda hoje recordo o tossicar do meu pai. O cheiro doce da sua testa e o quente da sua voz. O toque da sua mão, os olhos de menino.
Há amores eternos.
Lindo post.
bj

CCF disse...

Dormi sempre como um anjo até à idade adulta, e aí...é bem mais difícil o recurso a esse beijo que nos traz paz. Bonito texto.
~CC~

roni silva disse...

Manifesto que nos penetra de sentimento ... até ao íntimo.
Abraço.
Roni